Mariana sempre foi uma mulher forte, mas sua história de vida foi marcada por desafios inimagináveis. Hoje, aos 44 anos, ela compartilha sua trajetória de dor, aprendizado e renascimento.


Meu nome é Mariana e nasci em uma cidade do Alto Tietê, em São Paulo. Venho de uma família simples, mas nunca passamos fome. Meu pai, contudo, sempre foi um homem duro e severo, tanto comigo quanto com minha mãe e minha irmã mais velha, Camila. Meu irmão mais novo, Lucas, ainda não tinha nascido nessa época.

Minha mãe se casou muito cedo, aos 14 anos, e logo engravidou de Camila. Ela sempre foi submissa, não enfrentava meu pai, e, quando o fazia, sofria agressão. As melhores coisas da casa eram sempre para ele. Se havia dois bifes, ele comia um inteiro e o outro era dividido entre nós.

Quando eu tinha cerca de seis anos, minha vida tomou um rumo ainda mais sombrio. Em um dia comum, ao sair da escola, fui pega por um primo mais velho, Mateus, de 15 anos, que disse que me levaria para casa da minha avó. Mas, nesse dia, ele me abusou. Ele dizia que, se eu contasse para alguém, meu pai me bateria e eu acabaria sozinha na rua. Por anos, esse pesadelo se repetiu, me fazendo crescer com medo e vergonha.

Meus únicos momentos de paz eram conversas com Deus, no meio das bananeiras do quintal, onde chorava sem que ninguém me visse. Aos oito anos, com o nascimento do meu irmão, meu pai revelou ainda mais seu lado cruel. Ele nos chamou e disse que o leite da casa seria exclusivo para Lucas. A partir dali, eu e Camila desenvolvemos aversão a leite.

A dor da rejeição me transformou. Me tornei uma criança revoltada e travessa. Descontava minha frustração em Lucas, que, mesmo sendo apenas uma criança, se tornou o alvo do meu ressentimento. Meu pai reforçava essa diferença entre nós, dizendo que o dia do nascimento de Lucas foi o melhor dia da vida dele, enquanto o meu foi o pior.

Com o tempo, minha mãe tentava amenizar nossa dor. Quando meu pai não estava, nossa casa se enchia de alegria. Ela fazia bolos, salgadinhos, e chamava os vizinhos para brincar. Mas, assim que meu pai dava sinal de que estava voltando, todos corriam como ratos, pulando muros e se escondendo.

Um dia, meu pai anunciou que havia se convertido e passamos a frequentar a igreja. Eu tinha 11 anos e, naquele ambiente, encontrava paz. Foi lá também que consegui forças para enfrentar Mateus. Quando ele tentou se aproximar de mim novamente, ameacei-o com uma faca e disse que Deus estava comigo. Ele nunca mais se aproximou.

Os anos passaram e, mesmo com a igreja, minha vida em casa continuava um tormento. Meu pai me humilhava por tudo, e eu fazia de tudo para ser notada por ele, mas em vão. Aos 18 anos, consegui meu primeiro emprego como babá, mas ele não permitia que eu trabalhasse em São Paulo.

Foi nessa época que conheci Eduardo, meu primeiro namorado. Ele era mais velho e fazia parte do Candomblé, o que deixou minha família enfurecida. Mas ele não foi o motivo da minha saída de casa. Certo dia, quando estava de férias, meu pai me viu tomando café e despejou minha xícara na pia, chamando-me de vagabunda. Nesse momento, gritei e desabafei, dizendo que não aguentava mais. Ele respondeu: “Se não está feliz, vá embora”. Foi o que fiz.

Peguei minhas coisas, coloquei-as em um carrinho de mão e fui para a casa da minha tia. No dia seguinte, consegui alugar um pequeno cômodo e iniciei minha vida independente. Minha mãe não apareceu para me ver. Nunca soube se foi medo ou indiferença.

Com o tempo, minha vida foi se estabilizando. Conheci Rafael, um homem que me envolveu com sua simpatia, mas que, com o tempo, mostrou-se narcisista e abusivo. Tentei de tudo para o relacionamento dar certo, mas ele me manipulava financeiramente, emocionalmente e me afastou da minha família.

Aos poucos, fui reconstruindo minha vida. Quando Rafael adoeceu, dediquei-me a cuidar dele. Mas, ao descobrir que ele havia sido matador de aluguel no passado, entendi que nossa história era um emaranhado de dor e redenção. Mesmo assim, fiquei ao seu lado até o último momento. Quando ele faleceu, senti uma estranha mistura de tristeza e alívio.

Passei por uma fase de depressão, mas não me deixei sucumbir. Aos poucos, encontrei meu caminho. Em 2022, mudei-me para Portugal, onde comecei uma nova vida. Lá, conheci Thiago, um homem maravilhoso que me fez sentir o que nunca havia sentido antes: amor de verdade.

Hoje, sou casada, tenho estabilidade e vivo feliz. Aprendi a me afastar de quem me faz mal, inclusive do meu pai. Eu ligo para ele, converso, mas sei quando encerrar a chamada se ele ultrapassar meus limites. Aprendi a me colocar em primeiro lugar, a perdoar sem me permitir ser ferida novamente.

Minha jornada foi dura, mas cada queda me tornou mais forte. E, finalmente, sou feliz.


Mariana nos ensina que, mesmo diante das maiores adversidades, a força para recomeçar sempre está dentro de nós. Sua história é um lembrete de que o amor verdadeiro não machuca, e que é possível encontrar a paz, mesmo depois de tantas tempestades.

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